segunda-feira, 20 de maio de 2013

Vivência: a vontade de tornar-se / potência

Filipe Breno Vinhas
Bolsista de Iniciação Científica 


Este texto se propõe a uma breve apresentação das afecções produzidas a partir de uma aproximação inicial da filosofia nietzschiana em Antologia das Vivências. Por se tratar de um texto ensaístico e inicial devem-se desconsiderar quaisquer conjunções que lhe soem aterrorizantes ou absurdas. Enfim, em último caso, lhe taquemos fogo.
Definir o conceito de vivência me parece ser uma tarefa complicada, quase impossível, exatamente porque ela própria parte de uma elaboração – na vida – indescritível. Tenho a impressão de que só é possível seguir seus rastros, com breves momentos em que se cultiva a impressão de tê-la alcançado, na leitura dos aforismos nietzschianos. Não existe o conceito na vida e sua elaboração trás consigo uma carga de perda e simplificação quando se intenta imputar a vivências uma circunscrição da linguagem. Assim, antes de incorrer em uma catástrofe, para descrever o que seria uma vivência, penso que seria mais coerente dizer da própria vida, e esta, eu a compreendo como vontade de potência.
A vida produzida a partir de uma relação de forças, de conflito entre potências, de um sobrepor de instintos é o terreno fértil para que as vivências brotem, numa ambiência onde não se tem finalidade alguma, mas há transformação constante. E a partir destes desequilíbrios, das resistências e imposição de sentidos, ocorrem afetamentos singulares a cada um. É necessário estar ainda presente na vida quando algo acontece. E nesse sentido se instala um trabalho, a partir das afecções que nos chegam, um trabalho sobre si mesmo, de cultivo de si, das vivências, mundo imanente das sensações, dos sentimentos, das mudanças ininterruptas, onde o nosso corpo é modificado por fluxos da vida que nos trazem sempre o novo, tão logo da própria vida que intenta expandir-se, alargar os limites, na intenção última do homem de, em continuum, tornar-se o que se é.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

50 TESES SOBRE ESCRILEITURA

Sandra Mara Corazza 
2013 d.c.



Com um desejo ardente de trazer a verdade sobre a Escrileitura à luz, as 50 teses seguintes serão defendidas nas catedrais de WITTCAPESBERG, CHEPPENQUEVANNPÉDY, sob a presidência da necromanceira Warhammera Warga de Wolwea y WHASANSA, Mestra Trolla das Artes, Mestra Orca da Sagrada Misosofia, MestrA Uruka dos Heroscapers e Professora doutora Goblina de Comunicação Oficial das mesmas. Ela solicita que todos os que não puderem estar presentes para com ela disputar verbalmente, façam-no por escrito. E BEM ESCRITO. 
In nomine domini nostri excelsi vocationem. 
Amém.



LISTA DAS TESES

Abaixo sucedem as 50 teses:

1.  Práticas de Escrileitura, sem crer que um determinado tipo de leitura e de escrita, como o Científico, traz felicidade à humanidade.

2.Tão rara como a paixão amorosa, a Escrileitura é região pantanosa para o mito narcísico, egos equilibrados e associação à verdade. 

3. A Escrileitura participa dos benefícios do próprio medo à autocatatonia complacente.  

4. A Escrileitura tem muita cautela com a auto-depreciação.

5. Como a Escrileitura não é realizada nem por amor nem por ódio, não se queixa nem dá queixa; não recrimina nem insulta; não se idealiza, desvalorizando outras escritas e leituras. 

6.As leituras e escritas diferentes da Escrileitura não são, por esta, julgadas como mais ou menos originais, adequadas ou produtivas; pois quem é que sabe se elas querem ser resgatadas da sua invalidade? 

7. A Escrileitura não vive o drama do relacionamento impossível com a escrita e a leitura originárias perdidas.

8. Liberdade da angústia, nas relações da Escrileitura com os precursores. 

9. Citações, na Escrileitura, não são o resultado de melancolia mórbida. 

10. Nenhuma necessidade de a Escrileitura atribuir autoridade ao texto ou à correlata identidade do sujeito que lê e escreve.

11. Assunção, pela Escrileitura, dos riscos de ler e de escrever; da perdição na infinita multiplicidade dos sentidos e das línguas; do abismar-se no sem-sentido; do silenciar definitivo da morte.

12. A graça da Escrileitura é destinar-se à falência interpretativa.

13. Para manter sua energia e tensão vitais, à Escrileitura interessam: a bossa, o compasso, a escada, a balança, a ampulheta, o sino, o caco, o morcego, o arco-íris, o quadrado mágico, o putto, o aqueduto, o trampolim, o spiritus phantasticus

14. A Escrileitura possui uma natureza aérea, pneumática, plumária.

15. A Escrileitura se mantém apartada dos cânones explicativos e esclarecedores da leitura e da escrita científicas, impostos apenas aos anjos e aos mortos.

16. Age afirmativamente a Escrileitura que digere espumantes e sofre da emissão de ares; agem reativamente as leituras e escritas científicas, que totalizam um mundo referente, pacífico e ordenado.  

17. Semeada pelos Ministros e Vigias da leitura e da escrita científicas, a cizânia com a Escrileitura é como a vida: baixa e alta, triste e alegre, cheia e vazia, espiritual e material, divina e infernal.

18. A ciência da Escrileitura é só uma: a da criação críptica.

19. Preferindo hieróglifos, antes do que o logos, a Escrileitura extermina os atos de ler e de escrever moribundos.

20. Tanto mais interessante quanto menor for o dogma, a Inscrileitura só não é apupada pelos inducados da Inducação.

21. Sem abrigo natural, mobiliário confortável e decoração funcional, a Escrileitura habita o horror do desespero.

22. Possuindo duas faces, a Escrileitura as mantém voltadas para um nada de segurança.

23. A Escrileitura paralisa o gênio contemplativo. 

24. Não parece ter sido provado, por argumentos racionais ou irracionais, que a Escrileitura tenha qualquer qualidade pela métrica ou pela estática. 

25. Encontrando-se desprovida de função determinada, no contexto onde é lançada, de certeza da bem-aventurança e de harmonia entre os seus elementos, a Escrileitura é carente e excluída. 

26. Por não encarnar nem exemplificar; mas, antes, por traduzir ideias; nem por isso, a Escrileitura fica dispensada de pagá-las com a própria vida.

27. Desde que é da função que nasce o órgão, livre é a Escrileitura da literalidade.

28. A Escrileitura incursiona e experimenta novos territórios, ao reler a tradição e reescrever a bagagem.

29. Equivocam-se aqueles que tomam a Escrileitura enquanto comissionada. 

30. Se é que pode ser dito algo a seu favor, a Escrileitura é dispendiosa.

31. A maior parte do povo está sendo ludibriada pela escrita e pela leitura, autodenominadas científicas; e que são baratas, como todas as promessas.

32. A Escrileitura não aumenta o seu valor com o tilintar das moedas na bancada ou com a secreção da bile negra do prestígio científico. 

33. Diante do tirânico juízo científico sobre as suas partes abjetas, que a rebaixa ou liquida, não há indicativos de qualquer contrição ou arrependimento da Escrileitura.

34. Serão condenadas por toda a Eternidade, juntamente com seus Mestres e Juízes, aquelas leituras e escritas salvas para publicação pelos Pareceres de Indulgência Científica.

35.  Os Pareceres de Indulgência remetem as escritas e leituras científicas à satisfação cristalina, ao perdão total e à salvação redentora.

36. Aqueles que ensinam a doutrina do texto científico não são os mesmos que exercem a lógica paradoxal ou da sensação.

37. Qualquer Escrileitura padece de clivagem na estrutura, em decorrência da culpa pecaminosa, que lhe é atribuída pelos Pareceres de Indulgência Científica. 

38. A misericórdia distribuída pelos Pareceres de Indulgência aguça a consciência da Escrileitura acerca da sua situação anômala, declarada e assumida de antropófaga. 

39. Até mesmo para os mais doutos leitores e escritores científicos é difícil exaltar, perante todo o povo, a liberalidade das indulgências, mesmo que argutas, dadas por seus Pareceres. 

40. A Escrileitura desdenha a distribuição das indulgências científicas; e, mesmo, as odeia, quando há ocasião para tanto.

41. As indulgências, que asseguram publicação qualificada, são pregadas, por todas as comissões e comitês científicos, para que o povo as julgue preferíveis à Escrileitura.

42. A aquisição de indulgências inviabiliza a equiparação da Escrileitura às leituras e escritas científicas. 

43. Dando textos aos pobres ou emprestando-os aos necessitados de Espírito, a Escrileitura procede melhor do que se comercializasse indulgências científicas.

44. Através da Escrileitura, cresce o amor aos textos e eles se tornam potentes; com as indulgências, o texto queda prisioneiro da obrigação de escrever e de ler cientificamente ou refém dos Pareceres.

45. Quem despreza a Escrileitura, para lidar e gastar com indulgências científicas, obtém somente a ira do povo.

46. Se a Escrileitura não tiver ideias em abundância, conservará só as necessárias para o texto; e, de forma alguma, desperdiçará recursos com as indulgências científicas.

47. A Escrileitura não compra piedade e não aceita clemência científica; por isso, não perde o temor de escrever e ler.

48. Antes de a Escrileitura acatar os interesses e critérios dos Comissários de Indulgências, prefere reduzir a cinzas o seu texto, em vez de edificá-lo com pele, sangue, carne e ossos.

49. Vã é a confiança na purificação da Escrileitura, por meio dos Pareceres de Indulgência Científica; mesmo que aquela desse a sua alma como garantia.

50. São amigos da Escrileitura aqueles que, outrora e hoje, esculpem palavras, ideias, imagens e signos; são seus inimigos todos os Profetas das Indulgências Científicas e os com eles condescendentes; os quais sejam excomungados e amaldiçoados por todo o sempre.
.


Oh, herege, para qual Escrita e leitura pendes?  
Olha a força da injusta tirania científica sobre o século;  
olha o desinteresse cruel pelo mundo artista 
olha a incapacidade de amar o perigo 
olha a inibição de toda atividade e sentimento de auto-desapego ; olha a força da claridade metódica sobre as coroas dos mártires intelectuais!  
Deixa, escrileitor, simplesmente,  
que leiam e se escrevam os teus textos!  
E a Porta do Inferno, o Trono da pesquisa e o Sistema universitário nada poderão contra ti!